Um ano depois das cheias continua tudo na mesma nas margens do rio Tinto, no concelho de Gondomar. Habitantes queixam-se do abandono a que está votado o rio e das obras que não passaram de promessas.
Ali, toda a gente tem uma história para contar, de sombras sujas, da lama e do jorro medonho do rio, a rugir por cima das pontes, a correr atroz pela estrada, histórias que se passaram debaixo da parede maciça de chuva que se abateu sem parar das 23.30 às duas horas da manhã, da tromba negra que alagou tudo na madrugada.
Há um ano, na noite de 22, sob o descontrole climatérico de "depressão profunda" e "chuva severa" - aquele Dezembro foi o mês mais chuvoso do século -, os habitantes de Rio Tinto, 15.ª cidade, entre 150, em densidade populacional (47 695 habitantes), padeceram na tempestade.
"Ainda não tivemos direito à bonança", diz Marco Martins, presidente da Junta de Rio Tinto. "Para nós, está tudo por fazer, desde a limpeza de entulhos do rio, à reconstrução de taludes e muros caídos, há uma série deles, praticamente todos, passando por três pontes pequenas que desabaram, e continuam desabadas, até à necessidade de desassoreamento do rio, está tudo por fazer".
O autarca - que enumera promessas feitas e por cumprir, "como o estudo da Administração da Região Hidrográfica do Norte" - resume-se na fatalidade: "Como nos sentimos agora? Impotentes. Como vemos o futuro? Com desanimação, com frustração, com tristeza".
Naquela noite, o rio Tinto, cujo curso percorre oito quilómetros, a maioria dentro da cidade-freguesia, transbordou gravemente, cresceu uns cinco metros, inundou casas, caves, garagens, abateu muros, pontões, pavimentos, atacou com entulhos e lamas quem vive na margem, muito ocupada por construções antigas e recentes, insensatas e que contribuem para aumentar a já grande pressão urbanística do leito de cheia.
"Foi horrível aquela noite", diz José Carlos Rocha, morador no n.º 1337 da Rua do Padre Joaquim das Neves, num largo que se encontra com a Rua dos Moinhos, uma das zonas mais afectadas. "Horrível, metia medo, tudo isto era um lago", diz a apontar para a estrada, a olhar parado o declive da sua garagem na cave: "Há um ano, o carro, este Panda, ficou ali submerso", diz, sem querer recordar que duas das suas cadelas morreram afogadas na aflita subida da água.
"Foi uma noite muito escura. Foi uma noite directa, com toda a gente a acudir uns aos outros até de manhã", diz mais à frente Arnaldo Jesus, na Rua do Caneiro, n.º 131, a 60 metros da linha do comboio.
Ali é o largo da Ponte do Caneiro, um largo desdentado, há pequeninas hortas, couves tronchudas, barracos e lixo. Ali o rio corre pedregoso, entulhado, entre pátios fendidos, cães magros a ladrar.
"Ficou tudo pior, tudo alagado, tudo aos berros, o rio a trazer bocados de muro, madeira, tubos, pedras, pias, tudo à frente, desde lá de cima do estaleiro do metro, tudo por aí abaixo a galgar", diz Arnaldo, 47 anos, descrente: "Nada! Um ano depois não se fez nada para evitar que isto volte a acontecer".
"Isto está à vista de toda a gente", diz Laura Teixeira de dentro da sua casa amarela, no cruzamento do Caneiro com a Calçada de Medancelhe, uma casa com paredes empoladas, mesmo em cima do rio que ali corre escuro e com lodo.
"Não se está mesmo a ver no que vai dar?", repete Laura, 75 anos, de avental no seu quintal, desde 1980 a morar ali, chinelos na hortinha capada, a imaginar junquilhos e liretes, a lembrar que há um ano foi tirada ao colo de casa, viu o tanque de cimento a descer rio abaixo a boiar, um rio que se levantou cinco metros e assaltou a sua casa.
"Isto não vai dar nada! Eles vêm, vêem, prometem e depois nunca dá em nada! Estamos aqui, no rio, no escuro desta miséria, e é aqui que vamos ficar".
in JN, 29 Dez 2010
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